Insignificantes são todos aqueles que por mais que se esforcem, mesmo quando têm opinião, não têm voz, e se alguma vez têm voz, sabem que ela não produz efeito.
A pátria confunde-se a cada época com a instituição e o porta-voz que a resgarda. Por isso o rosto da pátria vai mudando dia após dia. Uma realidade volátil.
O que tem de permanecer lá, ao fundo da sala, são rostos estimáveis, confiáveis, aqueles que depois acompanham as pessoas para o resto da vida, quando elas já nem dos nomes dos professores se lembram, mas sabem que foram eles, aqueles, os instrumentos da sua autonomia.
A imaginação estabelece o seu próprio prazo de validade, e por essa razão o futuro só consegue ser amável até onde a nossa vista alcança. A partir de uma certa distância, perde-se a capacidade de representação e a paisagem que nos surge é inóspita, como se a nossa projecção começasse a perder cor, e o tempo imaginado nos expulsasse de lá.
O futuro não precisa de manter a palavra cultura em itálico, e de entre os seus múltiplos sentidos, terá de privilegiar aqueles que fazem dos cidadãos pessoas livres.
Jumto-me àqueles que pensam que narrar, seja lá o que isso for, é sempre uma forma de continuar a infância do mundo. E a sua orelha, que não se confunde apenas com a matéria sensível, por certo que será infinita.
Pobres daqueles que, tendo vocação para imitarem alguém, nunca encontraram o modelo na vida. Pensar nessa orfandade é quase tão pungente quanto pensar na orfandade real.
A credulidade é um estado de alma que não se adquire e raramentee se perde. Quando se é viciado nessa espécie de não prudência, ela se desfaz e logo se recompõe, persistindo sob a forma de uma natureza intrínseca.
Muitas vezes tenho a ideia de que mais do que à sociedade pertenço às ideias. Mais do que à família pertenço aos que amo. Mais do que à Língua pertenço à Literatura. E mais do que a mim mesma pertenço à dúvida.
Lídia Jorge
Fonte: "Cahiers de la Villa Gillet", N.º 13, abril, 2001
Quando, entre nós, se fala de uma socidade multicultural, e nos referimos à hipótese de virmos a ser uma população colorida, no sentido vital da expressão, estamos porventura a invocar o nosso mais fundo sentido de sobrevivência.
Dá a impressão de que o futuro vai precisar de manter a palavra cultura em itálico, e de entre os seus múltiplos sentidos, terá de privilegiar aqueles que fazem dos ciuadãos pessoas livres.
Visitamos museus, monumentos e outros lugares assim. Mas é sempre o riso do empregado que serve os cafés na esplanada, aquilo que de regresso levamos ou não levamos no nosso coração.
Lídia Jorge
Fonte: Intervenção pública na Gulbenkian, 11 de julho de 2006
Destina-se este blogue à recolha de aforismos, sentenças e frases contidos na Obra ou extrsídos de intervenções de Lídia Jorge. Quem eventualmente disponha de notas de leitura dos livros da escritora e queira colaborar, pode usar o e-mail colocado na coluna da esquerda. Obrigado, desde já.